
Decisão judicial considera que a marca brasileira se aproveitou do prestígio da concorrente para promover seu produto de forma indevida
A recente decisão judicial que proibiu a venda do vinho brasileiro “Putos”, criado por Danilo Gentili, Diogo Portugal e Oscar Filho, reacendeu o debate sobre os limites entre criatividade, provocação e infração de marca. A ação movida pela vinícola francesa Château Petrus, uma das mais tradicionais e prestigiadas do mundo, apontava o uso indevido de sua identidade visual, o que teria configurado concorrência desleal por parasitismo marcário.
Segundo a Justiça, mesmo sem haver confusão direta entre os rótulos ou produtos, a marca brasileira teria se aproveitado da reputação da francesa para impulsionar seu próprio produto — um fenômeno conhecido como “efeito carona”, previsto na Lei da Propriedade Industrial. A sentença destacou que bastava a existência de elementos visuais semelhantes, como layout, selo, paleta de cores e até mesmo o discurso irreverente dos criadores, para configurar o uso indevido de uma marca registrada com intenção de aproveitamento indevido de prestígio.
Para Augusto Amstalden Neto, consultor em gestão estratégica corporativa e especialista em propriedade intelectual na T3P, o caso ilustra um entendimento mais rígido da proteção marcária em comparação com outras decisões recentes.
“Diferentemente do julgamento envolvendo BMW e Dasa, aqui não houve espaço para considerar o distanciamento entre os mercados ou a ausência de confusão. A Corte entendeu que o simples fato de se inspirar em uma marca renomada, ainda que com viés humorístico, já configura violação. É um alerta importante, mas que pode soar excessivo quando a crítica ou a sátira fazem parte da proposta original”, avalia.
Liberdade de expressão ou infração de marca?
A defesa dos criadores do vinho Putos baseou-se justamente no argumento de paródia. Desde o lançamento, o produto foi divulgado com tom satírico, linguagem escancaradamente provocativa e preços acessíveis — o oposto do posicionamento sofisticado e elitizado da marca francesa. Em vez de esconder a provocação, os humoristas a assumiram como parte central da estratégia, criando uma identidade própria voltada a um público completamente distinto.
Ainda assim, o Judiciário considerou que houve exploração indevida da imagem de uma marca consolidada, priorizando a proteção ao prestígio da Petrus frente à liberdade criativa dos autores brasileiros. Para Augusto, o caso gera uma reflexão importante sobre o papel do direito de marca diante de manifestações que extrapolam o uso comercial tradicional.
“A sentença coloca a proteção marcária acima de outros princípios igualmente relevantes, como a liberdade de expressão e a crítica cultural. Nem toda provocação representa um ilícito. Às vezes, é só criatividade desconfortável. E esse desconforto, por si só, não deveria ser suficiente para justificar a censura de uma ideia”, pontua.
Para empresas, criadores e empreendedores, o episódio é mais do que uma simples disputa entre um vinho nacional irreverente e uma marca de luxo francesa. É um indicativo de que o uso criativo de marcas alheias — mesmo sob uma ótica humorística ou artística — pode ser interpretado como infração, ainda que não haja concorrência direta. Por isso, entender os riscos jurídicos, os limites legais e os precedentes recentes é essencial para evitar que a sátira se transforme em sanção.